Após o jantar descemos para tomar um ar, ajudar a digestão e molhar os pés no mar. Já estava noite. A areia estava fria e seca mas o mar estava gelado. O Inverno já estava a caminho. Eu continuava a pensar na conversa do jantar com a minha mãe. Ela estava lá, outra vez a privar-me de sair de casa sozinha.
- Thelma, que tal irmos te buscar em tua casa? A tua mãe não gosta que andes sozinha, mas se ela te vir rodeada de amigos como eu, que gostam de ti como és ela não vai se preocupar…
- É uma opção… - disse suspirando profundamente, pensativa.
- Em que pensas?
- Estive a pensar em fugir para onde ninguém me procurasse, e aí conhecer pessoas que me queiram por perto?
Kyra fitou-me nos olhos confusa. E eu já estava a sentir a cabeça à roda. Estava a perder oxigénio…
- Eu te quero por perto. És a minha “buddy” e te adoro… Porque razão pensas isso? Não há pessoas iguais no mundo, e além disso tens amigos.
- Nunca cheguei a pensar nos amigos que tenho… são muito diferentes de mim.
- Vá lá Thelma!
Só quando Kyra me chamou a atenção vi que estava cheia de lágrimas na cara. Não sei porque chorava, algo estava mal e errado. Simplesmente fechei os meus olhos e vi que eu estava sozinha. Isto devia estar a fazer-me pensar neste meu erro. Eu sempre era acompanhada por pessoas que estavam sempre a namorar e elas eram muito diferentes da minha pessoa. Nem acredito que vivo nisto!
Quando abri os olhos eu já estava estendida nas escadas da casa dos River com a Kyra acompanhada pelo seu gato ruivo, o Timmy, que se enroscava suavemente no casaco listrado da sua dona. Eu tentei falar mas como se algo estava a tapar-me as cordas vocais, e doía imenso.
- K-Kyra? … - gemi, ela alertou-se e ajeitou o cobertor que por acaso estava a cobrir-me. – O que… que aconteceu?...
- Shiiiiiiiu… Não fales. Não sei o que aconteceu contigo mas estava-mos a andar na baía e de repente começaste a chorar e desmaiaste. - começou ela. – Caíste na água e acabaste por engolir alguma água salgada. Acho que apanhaste uma constipação, avisa a tua mãe para te fazer um chá de camomila quando chegares...
- A-A minha mãe! – forcei-me a levantar bruscamente apesar de sentir muitas tonturas com isso. – Ela deve estar a minha espera e… e está zangada comigo por termos demorado aqui…
- Descansa Thelma. A tia ainda esta lá dentro a ter uma conversa muito animada com a minha mãe. E podes apostar, ainda é muito cedo para as oito horas.
Ficámos aí por uns minutos. Ela a falar, e eu a ouvir. Ela sempre foi muito tagarela e falava de tudo e não se cansava. Eu por uns instantes tentei me lembrar de algo antes do meu desligue, mas nada para além de estar-mos a conversar.
- Acho melhor dormires cedo hoje, para recuperar as tuas forças para o campismo de amanhã. Vamos, – disse Kyra, poisando o Timmy de lado, e este pulando agilmente para trás da dona que a seguir esta levantou-me cuidadosamente para subir os degraus da escada. – é melhor chamar a tua mãe.
- Não lhe digas.
- “Não lhe digas” o quê?
- Não quero que ela se preocupe a mais com o meu mau estar, eu posso ficar por minha conta…
- Sorry, mas não quero culpar-me de nada que aconteça e tu sabes como detesto responsabilidade. – ela já estava com um ar perturbado, mas eu não queria causar problemas para ninguém, só queria ficar por mim. Mas eu sabia do seu ponto fraco. Ela adorava os meus olhos cinzentos assim como os dela, por isso comecei a levantar os olhos para ela lentamente e puxando o meu lábio inferior para frente. Ela achava que quando fazia isso eu ficava com uma cara adorável de bebé, que podia ganhar qualquer coisa que quisesse.
- Oh, não!
- Vá lá…
- Ok! Mas qualquer coisa que sentires de anormal, já sabes… Liga-me!
Como antes a sala de estar estava com uma temperatura aconchegante e repleta de risos. A mãe estava a divertir-se imenso com a tia. Riam-se euforicamente e as suas caras já estavam vermelhas de tanto rir. Elas falavam sobre as novelas da actualidade, sobre os actores, e de que tão graciosos que eram. Antes de eu poder pronunciar algo, o Timmy já estava no colo da tia Elyon, que a um segundo atrás estava a passear pela praia de Newport. Estava a roçar-se no busto da tia e de vez em quando, com alguma provocação olhava para mim. A tia Elyon ficou toda enternecida com o carinho do seu gato, que até deixou de falar coma mãe. Eu aproveitei a situação para que eu pudesse já falar com a mãe, e irmos embora.
- Mãe, já está tarde não achas?
- Pensava que querias ficar para dormir…
- Ela está com enxaqueca, tia. – empatou a Kyra.
- Gyna, acho melhor irem para casa antes que piore o mau estar… - disse Elyon distraindo-se à atenção do Timmy. – Não te preocupes, te chamo logo para falar contigo. E vou ver se poderei falar com Johnny. – finalizou.
- Obrigada, poderias lhe avisar que eu estou disponível para explicações? Porque ele me deve uma bem formulada sobre a sua “viajem inesperada”.
- Claro, claro.
Após as despedias com as duas fomos para o carro. Ela ofereceu-se para conduzir, já que seria alguma pressão para mim. Deitei-me nos bancos de trás, e já que a viajem pareceu durar uns segundos, acho que me deixei adormecer. Antes de adormecer estava a pensar no meu pai, nos meus planos para amanhã, e o início de aulas. Achava que isso tudo era muito apressado e que queria viver mais a minha vida, sem pressas, sem altas velocidades…
A noite estava sombria, mesmo com a iluminação fraca era difícil de identificar os objectos e as suas cores. O carro parou. Levantei-me e saí do carro assim como a minha mãe. Ligou o alarme e entramos em casa. Dirigimos para a cozinha que era na mesma divisão que a sala de estar assim como a sala de jantar. Ela foi para o frigorífico beber um copo de água. Eu podia estar certa que ela já ia dormir, porque era o que ela sempre fazia antes de dormir. Abri a despensa de surripiei umas bolachinhas Cream Cracker para depois não acordar no meio da noite para petiscar no frigorífico. Estive a pensar como a minha mãe reagiria ao ver a Kyra, Cassie e os seus amigos que me virão buscar. Mas não acho que ela ficará feliz por eu estar a contrariar as suas escolhas.
Subi ao meu quarto que ficava no último piso. Era no sótão. Mas eu adorava aquela calma e solidão. A minha cama ficava junto à janela oblíqua que através dela podia apreciar a vista e adormecer debaixo do céu estrelado. Mas antes fui tomar um banho para refrescar a cabeça e só depois da rotina da casa de banho fui para a minha cama que estava a chamar-me… Fiquei aí a ver se o sono vinha mesmo depois de ter dormido no carro, cantarolando melodias. Pensei nas estrelas, o quanto elas eram tão unidas e tão separadas ao mesmo tempo. Algo me reservava para amanhã. Algo muito bom.
Quando abri os meus olhos já estava de manhãzinha. Os primeiros raios solares estavam ainda por passar pela minha janela. Durante uns minutos fiquei debaixo das cobertas. Tentando me lembrar o que eu tinha para hoje. De súbito levantei-me e liguei a aparelhagem de som. Começou com umas leves batidas de uma bateria e quando o som se acelerou corri para a casa de banho. Tomei um duche e escovei os dentes. Eu já podia sentir o espírito de campismo a me invadir. Fui para o armário e tirei umas bermudas camufladas e uma blusa preta. Para combinar, uns ténis que ficavam um pouco acima do tornozelo.
Desci as escadas e fui para o quarto dos meus pais. Dei um beijo à minha mãe, que ainda estava a dormir e fui à cozinha. Tirei o pacote de cereais e os coloquei numa tigela com leite. Devorei o pequeno-almoço em três tempos e levei o Shelby para a rua para um passeio matinal. Durante o passeio ele pôs-se a farejar uma árvore por tanto tempo, que como era um cão de grande porte não deu para puxá-lo para longe daí. A minha vista percorreu a rua que estava pouco movimentada e parou num rapaz que estava a ajeitar o pneu da sua bicicleta. Ele tinha o cabelo preto como a noite, espetado e estava equipado com uma roupa bem desportiva e tinha uma bicicleta de montanha. Ele era tão resplandecente… Bom, pelo menos pareceu-me. Enfim era um dos rapazes mais giros que conheci em toda minha vida. Parecia tão empenhado com o que fazia, para deixar tudo perfeito. Fiquei aí apalermada a olhar para o tipo, mesmo que Shelby já ter acabado de farejar. O rapaz subiu na bicicleta e foi-se embora. Ele era incrivelmente lindo.
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